O QUE É VIOLÊNCIA POLÍTICA DE RAÇA E GÊNERO?

Segundo a Lei nº 14.192/21, que alterou o Código Eleitoral, a Lei das Eleições e dos Partidos Políticos, o termo “Violência Política de Gênero” é toda ação, conduta ou omissão que visa restringir ou impedir a participação das mulheres do ambiente político e dos processos de decisão. 

Podemos constatar que a totalidade de mulheres negras engajadas em processos político partidário já sofreu algum tipo de violência política em sua carreira, independente da prerrogativa ideológica do partido filiada. No entanto, o que se tem constituído em torno da pauta de “violência política” ou “violência política de gênero” não representa grandes nem pequenas conquistas em termos das demandas de proteção às mulheres negras, ainda que a prática tenha sido recentemente criminalizada no Brasil.

Chamamos atenção para alguns aspectos sobre a narrativa expressa na Lei:

Primeiro sobre o fato de “violência política de gênero” não dar conta da dimensão racial em uma perspectiva mais densa e estruturada, como fator determinante para tornar visível a forma diferente que esse tipo de violência atinge as mulheres negras. Por serem “alvos” prioritários dos algozes, defendemos que a lógica conceitual precisa ser invertida. Dessa forma, adotamos o conceito “Violência Política de Raça e Gênero”, por entendermos,  assim como Angela Davis, que raça informa gênero e raça informa classe;

Segundo, a Lei também não avançou quanto à definição de ações e projetos de enfrentamento à violência política e responsabilização dos agressores. Cerca de 63% dos crimes mapeados pela Justiça Global e Terra de Direitos entre 2016 e 2020 permanecem sem solução. Há uma taxa altíssima de impunidade e baixa responsabilização dos sujeitos e organizações;

Terceiro, o texto da Lei constantemente reduz a “violência política” à “violência eleitoral”, e a dinâmica da violência contra mulheres negras extrapola o jogo da disputa eleitoral ou o cumprimento do mandato. Além disso, destacamos que a violência racista patriarcal que fundamenta a vitimização de uma parlamentar negra é a mesma que atinge uma defensora de direitos humanos negra, no sentido das investidas em mecanismos de intimidar, de silenciar uma voz e objetivamente exterminar quem representa, e reivindica o reconhecimento e a dignidade de uma parcela da população, que embora seja maioria, há séculos vem sendo marginalizada, criminalizada, violada e assassinada. 

Outra questão é o fato da Lei ser interpretada e utilizada por conservadores como um instrumento de excluir as mulheres trans de serem atendidas pela legislação, uma vez que o texto não dimensiona a transfobia enquanto tipo de violência a ser enfrentada em seus termos jurídicos.

As Violências Políticas de Raça e Gênero podem ser identificadas como:

  • Violência física, como lesões corporais; prisão arbitrária; tortura; maus-tratos; e feminicídio;
  • Violência sexual, como contato sexual não consentido; exploração sexual; assédio; registro e divulgação de fatos não autorizados relacionados à vida sexual e afetiva da candidata, elaboração e divulgação de fotos íntimas ou montagens com conteúdo sexual ou pornográfico; insinuações; “cantadas” ou convites indesejáveis e atos e falas de natureza sexual que causem constrangimento e que influenciem as aspirações políticas da mulher e/ou as condições ou o ambiente onde a mulher desenvolve a sua atividade política e pública;
  • Violência psicológica, como violação da intimidade; isolamento; ameaça contra a vítima, a membro da família ou pessoa próxima; humilhação; manipulação;
  • Violência moral, como a injúria (ofensa à dignidade ou o decoro), a calúnia (imputação falsa de fato definido como crime) e a difamação (imputação de fato ofensivo à reputação;
  • Violência econômica, como danos à propriedade; privação de recursos de campanha por recusa de acesso ou desvio; extorsão;
  • Violência simbólica, como intimidações; silenciamentos; desmerecimento; uso de linguagem excludente; restrição do uso da palavra; imposição de tarefas estranhas ao cargo; restrição do acesso à Justiça; omissão de informações; questionamentos sobre roupas aparência, peso, vida pessoal e sexualidade; ausência de assento próprio nos parlamentos;
  • Dificultar registro da candidatura, ou exigência de acordos para registrar;
  • Danos físicos e psicológicos ou sexuais contra mulheres eleitoras, candidatas, integrantes de partidos políticos e de equipes das zonas eleitorais;
  • Intimidação e ameaças à candidata, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave;
  • Transfobia, lesbofobia, bifobia;
  • Interrupções frequentes de sua fala em ambientes políticos, impedimento para usar a palavra e realizar descrédito a fala;
  • Acusações ligadas ao papel da maternidade das mulheres candidatas;
  • Desqualificação, ou seja, indução à crença de que a mulher não possui competência para a função a que ela está se candidatando ou para ocupar o espaço público onde se apresenta;
  • Violação da sua intimidade, por meio de divulgação de fotos íntimas, dados pessoais ou e-mails, inclusive montagens;
  • Difamação da candidata, atribuindo a ela fato que seja ofensivo à sua reputação e a sua honra;
  • Desvio de recursos de campanhas das candidaturas femininas para as masculinas.